Card sorting: Uma janela para a mente

Em um determinado momento de um projeto é chegada a hora de definir a arquitetura de informação. Mas como fazer isso? Sabe-se que um bom projeto centrado no usuário deve ser desenvolvido sob as percepções das pessoas que vão utilizá-lo e não sob o ponto de vista de grupos externos como, por exemplo, a equipe […]

Em um determinado momento de um projeto é chegada a hora de definir a arquitetura de informação. Mas como fazer isso? Sabe-se que um bom projeto centrado no usuário deve ser desenvolvido sob as percepções das pessoas que vão utilizá-lo e não sob o ponto de vista de grupos externos como, por exemplo, a equipe de desenvolvimento ou o arquiteto de informação em si. Nielsen (2004, tradução livre) argumenta que “Um erro clássico [em projetos] é estruturar a arquitetura de informação baseando-se apenas no seu ponto de vista [no caso, o ponto de vista do projetista]”. Isso porque cada grupo de pessoas (perfis) possuem níveis culturais e cognitivos distintos, cada indivíduo obteve um processo de aprendizado diferente. Neste cenário uma ferramenta para ajudar a compreender o modo como pessoas classificam informações em sua mente poderia ser o card sorting.

1. Definição: Afinal, do que se trata?

Card Sorting” ou “método de estruturação por cartas” é uma ferramenta de auxílio à arquitetura de informação, para Cybis (2012, pág. 178) trata-se de “[…] uma técnica empregada para descobrir a representação ou o modelo mental que os usuários elaboram sobre o conjunto de itens de informação”. Através desta técnica pode-se obter um mapa mental preciso baseando-se no ponto de vista dos usuários finais de uma determinada aplicação. Spencer (2004, tradução livre) complementa dizendo:

“Card sorting é um método rápido, barato e confiável, que serve como introdução ao processo de design da informação. Gera uma estrutura global para a sua informação, bem como sugestões de navegação, menus, e possíveis taxonomias.”.

Os resultados obtidos com as sessões ajudam os arquitetos a compreender a forma como os usuários modelam e classificam informações em suas mentes, segundo Spencer (2004) embora a ferramenta não possa fornecer uma estrutura final, ela poderá ajudar a responder a muitos questionamentos presentes na etapa de design de informação.

Esta técnica, entretanto, não deverá ser utilizada como ferramenta de avaliação, pois não conseguirá identificar falhas em sua atual arquitetura, Spencer (2004) sugere que sejam aplicadas nas seguintes situações:

  • Projeto de novas interfaces;
  • Projetos de novas áreas do website / interface;
  • Reestruturações de interfaces;

Do mesmo modo sugere que não se aplique em:

  • Pesquisas de quais itens necessitam ser removidos;
  • Auditorias e seleções de funcionalidades para um projeto;

Classificação: Qual método utilizar?

O card sorting poderá ser classificado como “Aberto”, “Fechado” ou “Reverso”. Este último trata-se de uma adaptação do processo fechado também conhecido como “tree testing” ou teste de árvore.

Card sorting aberto: Neste processo, segundo Spencer (2004) os participantes recebem cartas contendo os itens de conteúdo da aplicação sem agrupamento pré-estabelecido. São então convidados a classificar os cartões em grupos (pilhas) da forma como julgam ser apropriadas e por fim lhe aplicam um rótulo apropriado para descrever o agrupamento. Seu uso é recomendado para novas aplicações ou projetos já existentes (melhorias).

Card sorting tradicional

Card sorting fechado: Neste processo, segundo Spencer (2004) os participantes recebem cartas contendo os itens de conteúdo da aplicação. A diferença está no fato de receberem um conjunto pré-estabelecido de tópicos primários. São então convidados a organizarem suas cartas dentre os grupos oferecidos. Dependendo da flexibilidade da pesquisa, posem ser aceitas alterações das nomenclaturas existentes ou mesmo sugestões de inserção de novos agrupamentos por parte dos participantes. Seu uso é recomendado quando é necessário acrescentar novos conteúdos em uma arquitetura já existente ou para obter um feedback após definida uma arquitetura através do método “aberto”.

Exemplo de card sorting fechado

Card sorting reverso: Neste caso, trata-se de uma adaptação do card sorting fechado, pois os participantes recebem o conjunto de cartas contendo os itens e suas respectivas descrições. Deverão organiza-los sob uma estrutura de tópicos já estabelecida. Seu uso é recomendado para avaliar arquiteturas já existentes a fins de identificar sinônimos ou pontos problemáticos.

Card sorting reverso

3. Por que utilizá-lo?

Toda ferramenta possui vantagens e desvantagens cabendo ao arquiteto ponderar cada caso e decidir sua viabilidade de aplicação. Seguem abaixo alguns tópicos importantes a serem discutidos:

3.1. Vantagens:

Simplicidade: Card sorts são fáceis de serem aplicados tanto pelo organizador quanto pelos participantes convidados.

Baixo custo: Quando comparado a outras ferramentas como testes de usabilidade e pesquisas de interação o custo de aplicação do card sorting pode ser considerado baixo. O maior custo está em trazer os participantes a uma sala adequada. Os materiais necessários para utilização são cartões de papel e canetas coloridas.

Velocidade: Cada sessão poderá ser concluída em um curto período de tempo, algo em torno de uma a duas horas considerando um volume de 30 a 100 cartas. O tempo poderá ser menor ou maior de acordo com o volume de cartas e a interação com os participantes, porém de acordo com minha experiência suas variações não costumam se alongar por muito mais que duas horas.

Técnica conceituada e estabelecida no mercado: Segundo Spencer (2004) esta técnica têm sido aplicada a mais de dez anos por muitos designers e arquitetos.

Design centrado no usuário: Spencer (2004, tradução livre) alega que pelo fato da “estrutura de informação ser sugeria por usuários reais, e não pela opinião individual do designer, arquiteto de informação ou do grupo de interessados ela será facilmente compreendida”, ou seja, será o mais próximo possível do modelo mental presente na mente dos usuários do sistema. Que consequentemente encontrarão as informações com mais velocidade e eficiência resultando em menos frustrações.

Fornece fundamentação: Pelo fato da base tomada de decisões não partir da opinião pessoal (leia-se: experiência individual) de um profissional, ou um conjunto de profissionais e sim do resultado de uma coleta concisa do modelo mental de um conjunto de pessoas os resultados tendem a ser mais concretos e reduzem a margem de falhas nos projetos. Spencer (2004, tradução livre) comenta que “não se trata de uma bala de prata, porém provê uma boa fundamentação para a estrutura de um site ou produto”.

Aumento de produtividade: Nielsen (2004, tradução livre) alega que em “[…] estudos de intranet, descobrimos que houveram maiores ganhos de produtividade quando as empresas reestruturaram sua intranet para refletir o fluxo de trabalho dos funcionários.”. Isso por que os mesmos encontram as informações com facilidade uma vez que a organização corresponde a forma como pensam e classificam as informações.

Taxonomia: Como resultado de uma sessão de card sorting obtêm-se também sugestões de termos e nomenclaturas para serem utilizadas como tópicos em sua arquitetura. “A taxonomia é o conjunto das categorias em que será classificado cada conteúdo do website” AMSTEL (2004);

3.2. Desvantagens

Interferência: Deve-se ter cautela no preparo da sessão por parte do facilitador para que não haja influências / interferências sob a percepção do usuário. Esses ruídos poderão distorcer e influenciar os resultados;

Não considerar as tarefas dos usuários: Trata-se de uma ferramenta focada na estruturação de conteúdo que se as tarefas realizadas pelos usuários não forem levadas em consideração, poderá gerar um falso positivo, ou seja, gerar uma arquitetura de informação que não atende o fluxo de trabalho do usuário. Spencer (2004, tradução livre) sugere que

“para uma análise de informação é necessário analisar o fluxo de tarefas para garantir que o conteúdo que está sendo classificado atenda às necessidades do usuário e que a estrutura de informação resultante permita aos usuários realizar suas tarefas.”

Variação de resultados: Para Spencer (2004, tradução livre) os resultados de uma sessão “podem proporcionar resultados bastante consistentes entre os participantes, ou podem variar amplamente.”, ou seja, os resultados são voláteis e podem ser contaminados com facilidade caso a ferramenta não seja aplicada corretamente. A má interpretação dos resultados e a limitação das opções dos participantes também poderão influenciar negativamente no desempenho da ferramenta.

As análises de resultados poderão consumir tempo demasiadamente: Preparar e aplicar a ferramenta não são tarefas muito complexas e poderão ser efetuada em um período de tempo relativamente curto. Entretanto a análise e ponderação dos resultados exigem interpretações profundas e comparação dos modelos mentais em busca de similaridades e recorrências de padrões conforme alega Spencer (2004, tradução livre) “A triagem [dos resultados] é rápida, porém a análise dos dados pode ser difícil e demorada, particularmente se existirem pouca consistência entre os participantes”.

Poderá considerar apenas características superficiais: Spencer (2004, tradução livre) acredita que os “Participantes talvez não considerem o card sorting como uma técnica de avaliação e por isso não dirão a você o que está errado com o site atual”. Esse pensamento poderá fazer com que os usuários não se aprofundem em suas análises resultando em mapas mentais superficiais que não refletem o fluxo de trabalho dos mesmos.

4. Aplicação: Embaralhando e distribuindo cartas

O processo de execução dessa ferramenta é amplamente difundido por inúmeros autores, entretanto existem outras duas etapas que geralmente passam despercebidas e são cruciais para sua correta aplicação. SPENCER (2004) divide a técnica em três etapas, sendo elas:

  1. Preparação;
  2. Aplicação e;
  3. Análise dos resultados.

4.1. Preparação

Esta é sem dúvidas a etapa mais importante, pois é responsável por selecionar o conteúdo a ser trabalhado; identificar e selecionar uma amostra de participantes; e por fim preparar as cartas.

Seleção de conteúdo: Consiste na coleta, análise e seleção dos itens relevantes que serão apresentados aos participantes. Poderão ser considerados: páginas, elementos, descrição de métodos e processos, regras de negócio, dentre outros.

Seleção de participantes: O número de participantes poderá variar de acordo com suas necessidades e a complexidade da arquitetura proposta. Entretanto alguns estudos realizados por Nielsen (2004) identificaram uma melhor eficiência no uso de 15 a 20 participantes. Os 15 participantes alcançaram uma amostragem de 90% de precisão. Usar mais que 20 participantes não trará aumento significativo na eficiência da ferramenta sendo considerado um gasto desnecessário.

O card sorting pode ser aplicado individualmente ou em grupos. Aconselha-se a aplicação em grupo nos casos de modelos mentais complexos e com muitos itens. Diferentemente de Nielsen, Spencer (2004) argumenta que sete a dez participantes consistem em uma amostra significativa e ideal quando praticado individualmente. Porém se for praticado em grupos, cinco grupos de três pessoas é considerado o ideal totalizando 15 participantes.

Pode-se considerar que modelo de sessões em grupos proposto por Spencer é o mais adequado por alcançar altos índices de precisão, um número relativamente baixo de participantes, e rápida aplicação, pois poderá ser concluído e cinco sessões e ainda pode-se utilizar como reforço a pesquisa de Cybis (2012, pai 178) alegando que as “uniformidades em termos de grupamentos e denominações serão mais fáceis de perceber em amostras mais numerosas (mais de 12 usuários)”. Aconselho também com base em análises vivenciadas diversificar os grupos reunindo participantes de perfis distintos sempre que possível. Essa prática tende a fomentar discussões que poderão trazer ao analista outras perspectivas.

Preparação das cartas: Os cartões deverão conter uma breve descrição do conteúdo / item a ser analisado pelos participantes. Cybis (2012, pág. 179) alega que “É interessante não atribuir um nome ao item, apenas descrevê-lo, deixando ao usuário a tarefa de lhe dar um nome”. Dessa forma podem-se obter também propostas de taxonomia para os elementos e uma biblioteca de sinônimos.

Cada carta segundo Spencer (2004) deverá ser marcada com uma letra ou número para que possam ser mensuradas na etapa de análise. Através da identificação das cartas poderão ser mapeados os modelos mentais em planilhas com maior facilidade. Spencer (2004, tradução livre) também alega que “não existe um número mágico, algo em torno de 30 a 100 cartas funciona bem”. Caso sejam utilizadas poucas cartas os resultados serão simplórios e superficiais, por outro lado, um número excessivo de cartas tornará o processo cansativo e pouco produtivo.

4.2. Execução

Após escolhidos os participantes e preparadas às cartas, pode-se dar início as sessões. “A reunião inicia com o facilitador embaralhando as cartas de maneira que nenhum participante receba as cartas em uma mesma sequência” CYBIS (2012, pág. 179);

Os participantes são convidados a separar suas cartas em grupos ou pilhas, organizando os agrupamentos por semelhança. Os usuários poderão fazer muitas ou poucas pilhas da forma como bem entenderem, algumas pilhas poderão ser grandes, ou seja, com muitos itens enquanto outras poderão ser pequenas.

O analista, nessa etapa só deverá interferir na interpretação dos usuários quando solicitado, mesmo em casos extremos. Deverá procurar meios de fazer com que encontrem suas respostas por conta própria. Spencer (2004, tradução livre) alerta que “facilitar sessões de card sorting pode ser complicado. Durante o exercício, seu principal trabalho é observar e ouvir os participantes”. A interferência do arquiteto poderá ser tendenciosa invalidando a sessão com resultados que não representam fielmente o modelo mental dos participantes.

Durante a sessão os participantes poderão levantar questionamentos não esperados pelo arquiteto, por conta disso Spencer (2004) sugere o uso de um computador pequeno ou blocos de papel para que se tome nota desses questionamentos junto com o comportamento dos participantes de modo geral. Deve-se ter cautela no uso de ferramentas de gravação, pois tendem a inibir os usuários podendo perder parte do potencial da sessão. Com base em sessões presenciadas, sugiro o uso de um pequeno e discreto gravador de bolso.

Vídeos são desnecessários, pois toda a sessão será documentada e a gravação de áudio dispensaria o tempo gasto com anotações deixando a sessão mais dinâmica. O uso de softwares na sessão torna o processo mais dinâmico e facilita a geração de relatórios para análise, mesmo assim, suas interações são limitadas e poderão contaminar o resultado da sessão.

Por fim, poderá ser solicitado aos participantes que organizem suas pilhas em grupos maiores (como um organograma) e escolham nomes para os agrupamentos. Este procedimento resultará em sugestões de palavras, termos e sinônimos utilizados nos rótulos de navegação.

Exemplo de organograma

4.3. Análise de resultados

Os resultados dos grupamentos de cada participante são combinados e tratados estatisticamente conforme sua necessidade. O objetivo nesta etapa é tentar identificar padrões de comportamento a fins de elaborar um modelo mental eficiente para todos os perfis simultaneamente.

Esta tarefa não é fácil e a consulta a outros membros da equipe é válida para uma melhor interpretação. Spencer (2004, tradução livre) comenta que a “Análise dos dados de uma sessão é parte ciência e parte mágica. Podem ser feitas de duas maneiras: procurando por padrões gerais ou usando softwares de análise de cluster”. Análises de cluster são comparações estatísticas das árvores geradas nas sessões em busca de similaridades de associações.

5. Considerações

Esta poderosa ferramenta a meu ver serve como um espelho do pensamento das pessoas. Como se por um momento o analista conseguisse ler os pensamentos dos participantes. Spencer (2004, tradução livre) comenta que a ferramenta “pode ser útil para demonstrar às pessoas que os demais pensam de forma diferente”.

Por mais experiente que seja sua equipe de análise, o uso do design participativo, ou seja, com a presença dos usuários durante a etapa de desenvolvimento sempre prevalecerá com resultados precisos e eficazes.

Trata-se de um investimento baixíssimo nas primeiras etapas do planejamento do projeto que resultará em grande economia no futuro se levar em consideração a quantidade de horas gastas para correções de problemas de usabilidade.

6. Referências

AMSTEL, Frederick Van. Card-sorting é melhor que buraco. Publicado em 20 de novembro de 2004 no endereço http://usabilidoido.com.br/card-sorting_e_melhor_que_buraco.html, acessado em 16 de novembro de 2012.

CYBIS, Walter; BETIOL, Adriana Holtz; FAUST, Richard. Ergonomia e usabilidade: conhecimentos, métodos e aplicações. 2ª Ed. São Paulo: Novatec Editora, 2012.

NIELSEN, Jacob. Card sorting: How many users to test. Publicado em 19 de julho de 2004 no endereço http://www.useit.com/alertbox/20040719.html, acessado em 16 de novembro de 2012.

SPENCER, Donna; WARFEL, Todd. Card sorting: a definitive guide. Publicado em 7 de abril de 2004 no endereço http://boxesandarrows.com/card-sorting-a-definitive-guide, acessado em 18 de novembro de 2012.

 

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